Brasileiros recebem 10 bilhões de ligações feitas por robôs por mês

As chamadas “robocalls” ou “metralhadoras”. Essas ligações automáticas são feitas por sistemas computadorizados para um grande número de pessoas e duram, no máximo, seis segundos, antes de cair.

Essas chamadas são classificadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) como “ligações de curta duração”. Por mês, cerca de 20 bilhões de ligações são disparadas no Brasil. Metade delas – 10 bilhões – é realizada por robôs programados para discar.

Durante um mês, o Fantástico investigou empresas que fornecem programas para ligações automáticas. A reportagem criou um negócio fictício que precisava usar o serviço de robocalls para aumentar as vendas, e entrou em contato com diferentes empresas e sites.

A chamada rápida funciona como uma “prova de vida”. Se as ligações são atendidas, indicam que o dono da linha está vivo e é um cliente em potencial.

O representante de um site que vende dados pessoais – os chamados “mailings” – ofereceu uma lista de contatos à reportagem. “Teste aí a lista, você vai entender que realmente está atualizadinha”, diz ele. “É bem consistente mesmo. No mínimo, 100 mil, 150 mil registros, tranquilamente.”

A reportagem pediu uma amostra com cadastros de profissionais liberais. O representante enviou dados de quase 70 pessoas, para tentar conquistas o cliente. A lista tinha nomes, e-mails, endereços, profissões e, o mais importante, telefones.

O psicólogo Matheus Arend, de Guaíba (RS), apareceu na lista. A reportagem conseguiu falar com ele, que disse nunca ter autorizado o uso de seus dados. “Eu me sinto bastante invadido”, diz Arend.

Quando alguém recebe uma robocall, vê um número virtual, que não existe. Se a vítima tenta retornar a ligação, ouve uma gravação dizendo que o número digitado está incorreto.

Com as informações fornecidas pelos robôs, o atendente de um call center não perde tempo telefonando para números inexistentes. E, no telemarketing, tempo é dinheiro.

Dados recentes da Anatel mostram que as robocalls aumentaram no Brasil. Em janeiro e fevereiro deste ano foram quase 24 bilhões de ligações automáticas — o equivalente a 23 mil ligações por segundo. Um aumento de 12% em relação ao mesmo período de 2024.

Essa é uma operação que irrita e prejudica milhões de brasileiros todos os dias. A empresária Rosaura Brito, moradora de Santo Antônio da Patrulha (RS), se cadastrou no site “Não Me Perturbe”, da Anatel. Não adiantou. “Eu recebo de 30 a 40 chamadas por dia. Começa 8h01 da manhã”, diz ela.

Assim como muitos brasileiros, a empresária decidiu parar de atender números desconhecidos. Mas essa decisão pode gerar outro problema: e se for uma ligação importante?

O problema já atingiu até a central de transplantes da Santa Casa de Porto Alegre. “A gente já teve pacientes que perderam a oportunidade de receber um órgão porque não atenderam o telefone”, conta a enfermeira Jaqueline Bica.

Quem está em busca de emprego também precisa ficar atento. “Se nós ligamos e o profissional não atende, a gente tem que ir para o próximo”, afirma Silvana Ribeiro, gerente de recursos humanos.

As robocalls não usam as redes de telefonia convencionais. Tudo é via internet, com programas específicos de computador. Isso também acaba sendo usado pelo crime organizado. Quadrilhas disparam mensagens para aplicar golpes.

Existem modelos prontos na internet para a gravação e envio de áudios. Fizemos o teste em um site que utiliza inteligência artificial: criamos uma mensagem com uma voz robotizada oferecendo empréstimos e inserimos o número da produção para receber a chamada. Utilizamos a frase: “Se precisa de dinheiro extra, aperte 1 agora”. A ligação foi realizada com a mensagem que colocamos.

“E são ligações muito autênticas, parecem reais, fazendo com que as vítimas não consigam discernir que estão caindo num golpe”, diz o advogado José Milagre.

Fonte: Matéria Portal G1